A Inconveniência de Encarar o Evangelho numa Sociedade Baseada na Conveniência.
"Estamos acostumados ao sacrifício do
ideal sobre o altar da conveniência e do ganho imediato". Stuart
Holden.
Introdução
Você já imaginou como seria a vida humana sem algumas invenções surgidas,
sobretudo, a partir da modernidade? Você conseguiria, por exemplo, imaginar
viver sem energia elétrica? Sem água encanada? Sem refrigerador? O que seria de
nós se vivêssemos sem ar-condicionado, carro ou elevador?
Tenho absoluta certeza de que, para muitos, a vida seria insustentável se não
houvesse telefone celular, internet, shopping center, televisão ou CD player?
Na verdade, a lista de indispensáveis que são supérfluos é interminável. E por
que digo isto? Por que toda a civilização humana que viveu antes de nós não
tinha nenhumas destas coisas.
O sociólogo francês Alain Touraine, afirma que nós "vivemos numa
sociedade de consumo, onde as mercadorias passaram a mediar nossas relações
formando uma sociedade que vive a "modernidade triunfante". A
emergência dessa sociedade de consumo é fruto dos avanços e das mudanças que o
mundo sofreu, principalmente, no século XX. Neste contexto, afirma, é possível
se experimentar a satisfação imediata de quaisquer que sejam as nossas
necessidades, desde que se pague por isso.
Um dos teóricos que influenciou Touraine foi Karl Marx que, por sua vez, já
afirmava em suas análises sobre o que designou chamar de materialismo
dialético, ainda no século XIX, que "a produção é, pois, imediatamente
consumo; o consumo é, imediatamente, produção...". Pois bem, o
resultado de todo este avanço tecnológico e científico provocou o surgimento do
fenômeno que está sendo denominado de: “sociedade da conveniência”.
A Vida Baseada na
Conveniência
Viver nos grandes centros
urbanos tornou-se tarefa extremamente difícil. Convivemos diariamente com
engarrafamentos, violência, poluição, serviços governamentais de péssima
qualidade, dentre outras questões insuportáveis. Em busca do lucro, empresas
almejam fazer mais com menos. As pessoas estão assoberbadas, com agendas
intermináveis, reuniões, metas a serem batidas, busca pela qualificação,
concorrência. São tantas demandas que cada vez mais aumentam os casos dos que,
sem estrutura emocional e psíquica para suportar tais pressões, acabam
adoecendo.
Fato é que nos tornamos, além da sociedade do consumo, a sociedade da
depressão, da ansiedade, do pânico, das doenças psicossomáticas. Ganhamos
dinheiro para gastá-lo no consultório do analista; vivemos anestesiados por
diasepínicos e ansiolíticos. Sobre isto, bem citou George Calim, escritor
americano, "temos acrescentado anos a nossa vida e não vida aos nossos
anos".
Supostamente, para minimizar – ou seria melhor dizer anestesiar – todos estes impactos,
surgiu o conceito da conveniência. A conveniência existe para você se sentir
único, exclusivo, singular. Ela exalta o conforto, a facilidade, a praticidade.
Seu alvo é fazer você economizar tempo, evitar transtornos, fugir de desgastes
desnecessários.
Viver na sociedade da conveniência é possuir tudo a mão: a comida solicitada
por telefone com entrega imediata, a loja aberta 24 horas com produtos de
utilidade doméstica, serviços prestados com hora marcada, manobrista no
restaurante, pet shop para o seu cão, banco pela internet, TV por assinatura,
quiosques dos bancos em lugares de fácil acesso, até flores você pede por
telefone e paga com cartão de crédito!
Conseqüências e Desdobramentos Inevitáveis
O problema de se viver numa cultura que minimiza
o esforço, que dilui a perseverança, que nos dá a falsa sensação de que o mundo
gira em torno de nós, é o surgimento de uma geração de pessoas acomodadas,
letárgicas, preguiçosas, descompromissadas, que vivem na zona de conforto, que
não se mobilizam, que não protestam, não se sentem responsáveis por nada nem
ninguém que não esteja diretamente ligado a si.
Pouco importa o destino do planeta, ou a dor dos necessitados. Pouco importa a
miséria, a opressão, a injustiça, pois, a única coisa que importa, é que meu
conforto e as minhas conveniências sejam supridos.
Como pastor, ouvindo pessoas todos os dias, observo que este estilo de vida,
que vicia e produz dependência, moveu-se das questões econômicas e acabou por
instalar-se nas dinâmicas da espiritualidade humana. Vivemos hoje o que posso
denominar de uma “espiritualidade baseada na conveniência”.
A igreja de nossos dias tem dificuldade de entender a proposta de Jesus. “Vinho
novo em odres novos”, ou seja, uma consciência ressignificada em busca de
construir uma espiritualidade consciente, conseqüente e sustentável!
As igrejas estão cheias de pessoas vazias! A religião, bem afirmou Marx,
tornou-se alienação. Nietzsche estava certo ao afirmar, ainda no século XIX,
que nós matamos Deus! Sim, sepultamos o sagrado em nossas liturgias ocas, em
nossos ritos de ocasião, tentamos aprisionar Deus com nossos dogmas,
transformamos a fé em um discurso desassociado da prática, cauterizamos nossa
consciência e, como conseqüência, nosso coração petrificou-se.
Os Fenômenos Surgidos a Partir da
Espiritualidade Baseada na Conveniência
Na minha percepção, existem pelo menos três fenômenos produzidos a partir deste
modelo de espiritualidade baseada na conveniência.
O primeiro é a possibilidade de construção de uma “fé self-service”. A quantidade de
informação disponível em nossos dias é algo sem precedentes. As pessoas, em sua
ânsia e desespero de ter suas necessidades atendidas, buscam satisfazer seus
desejos em qualquer lugar, ouvindo qualquer pessoa, desde que isto vá de
encontro as suas necessidades. Elas não se fixam em uma comunidade, sob
orientação de um pastor, mas vivem pulando de “galho em galho” atrás de algo
que seja “inusitado”, “diferente”. É assim que surge a “fé self-service”. Ela nada mais é
do que a “costura” de um conjunto de doutrinas desconexas, sincretizadas a
partir da teologia pregada por várias denominações. O “fiel” vai juntando as
partes do “quebra-cabeça” a partir daquilo que entende, e não daquilo que, na
verdade, as Escrituras afirmam. Ele vai hoje aqui, amanhã ali, depois acolá; é
um “culto de poder”, um “profeta famoso”, um “missionário de sucesso”, é a
leitura de um livro “poderoso”, o programa de TV “ungido” e, com tanta
informação desencontrada em sua mente, acaba criando uma “fé Frankenstein”, um
monstro que tomou vida a partir de conteúdos “enxertados, cortados e
costurados” em sua consciência.
A “fé self-service”, todavia, possui
uma grande “vantagem”: o indivíduo pode fazer aquilo que deseja, pois sua vida
passa a ser regida por uma “sopa” de doutrinas exercitadas de tal forma a lhe
satisfazer os desejos. Com a consciência anestesiada, e sem qualquer
discernimento espiritual, ele vai levando, como diria o Chico, só não sei onde
vai parar...!
O segundo fenômeno que percebo é o surgimento da “Igreja Commoditizada”.
Do que se trata? Bem, segundo o Wikipédia, “uma commmodity é algo
relacionado aos produtos de base em estado bruto (matérias-primas)... de
qualidade quase uniforme, produzidos em grandes quantidades e por diferentes
produtores”.E como isso se aplica as
igrejas? É simples! As igrejas, apesar das inúmeras denominações (produtores),
tornaram-se lugares muito parecidos, uniformizados, com cultos e programas
muito semelhantes (matérias-primas). Desta forma, o “crente” acaba não tendo
muitas opções, fica obrigado a “beber” o “sopão” que está sendo oferecido. Mas
lembre-se: estas pessoas estão acostumadas à conveniência, a serem tratadas de
forma singular, exclusiva, diferenciada. E é aí que o “bicho pega”!...
Na intenção
de atrair o “crente-cliente”, as igrejas buscam diferenciar-se uma das outras
através de estratégias as mais bizarras possíveis. São cultos de catarse,
exorcismo com direito a entrevista com o capeta, “curas e milagres” ao vivo,
louvor com “cantores gospel”, “pregadores famosos”, e tudo o mais que possa
diferenciar uma “loja religiosa” da outra. Sim, porque nestes lugares, o que se
tem é um “balcão de prestação de serviço”, não uma comunidade de fé! Quanto
mais “atrativa” for à programação, tanto maior será a possibilidade de atrair
os “fiéis”, afinal, não esqueçamos, eles estão atrás de
conveniência!
Finalmente, o terceiro
fenômeno que observo é aquele que produz uma relação com Deus no modelo “on-demand”.
O conceito de on-demand surgiu a partir do mundo da tecnologia
para permitir a contratação de produtos e serviços conforme a demanda das
pessoas, ou seja, você adquire algo na medida certa, que se adéque a sua
necessidade. Um exemplo disto são os pacotes oferecidos pelas operadoras de
telefonia celular, com opções das mais diversas para os clientes.
Uma relação com Deus
baseada no modelo on-demand é aquela na qual a divindade está a
serviço da criatura. Deus passa a ser uma espécie de gênio da lâmpada e é
acionado sempre que surge uma crise ou quando se quer resolver algo. Deus
torna-se um office- boy,
ele existe para dar conta de nossas demandas existenciais, por em ordem nossas
desordens, aplacar nossas culpas, aliviar nossas dores, perdoar nossos pecados,
abrir portas fechadas, tudo conforme a demanda, tudo conforme aquilo que
precisamos.
Conclusão
Num tempo
onde a espiritualidade humana se desenvolve baseada em uma fé self-service, as igrejas,
commoditizadas, buscam promover “atrações” e “efeitos especiais” par atrair os
“fiéis”, e a relação pessoal com Deus está baseada num modelo on-demand, o que podemos
esperar?
Conversando com o
ministro de música de nossa comunidade, ele me falou do Cristão 3"S".
Você conhece este tipo? Os 3"S" significam: salvo, sentado e
satisfeito! Triste, mas real. Na sociedade da conveniência, quem está salvo não
precisa fazer mais nada, por isso pode ficar sentado, apenas assistindo, e quem
está sentado, numa igreja que transformou o culto num espetáculo do Cirque Du Soleil, tem é que
estar mais do que satisfeito!
Por tudo isto, constatamos o quão inconveniente é encarnar o Evangelho numa
sociedade que está baseada na conveniência. A questão central é que a mensagem
de Jesus exige, justamente, a renúncia, a abnegação, o compromisso, o negar-se
a si mesmo, o tomar a sua cruz. Isto, obviamente, requer o abrir a consciência
para os conteúdos da mensagem do Nazareno, permitir que o caráter de Cristo
seja esculpido em nosso caráter. Em resumo, dá trabalho, e leva tempo, ou seja,
não é conveniente...
Diante de tudo isto, só
tenho uma coisa a dizer: Maranata! Vem Senhor Jesus!
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